“Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender.”
Fernando Pessoa
O arco-íris em forma de círculo. Amplo, claro, aberto. Abre e fecha. Flic-flac. Tic-tac. Na hora do voo. Beleza volátil, força alada. Liberdade irrequieta. Dança de luz. Arrebatamento. Tanto, que às vezes prende.
Flic-flac. Asa ferida. Na viagem. Foi preciso pousar. Repouso, camuflagem, reflexão. Tic-tac.
Foi preciso pousar na sombra para sarar a asa. Tic-tac, é tempo de espera. Cicatriza-se e cose-se o corte. É tempo de ritual, de cerimónia. Ritual de passagem, ritual de cor. Ciclo. Falam-se, tocam-se, sentem-se. Preces, gestos, sentires. Pedrinhas, chamas, sopros, flores.
Não tenhas vergonha borboleta, é tempo de espera. Deixa aqui a tua cor e pinta serpentinas no ar. Deixa que os papagaios de papel a levem para o além-mar. Asas transparentes agora. Não tenhas vergonha borboleta. A beleza é a da asa e não a da cor. É a tua estrutura e é a tua raiz. Veios pequeninos que mais parecem ramos de árvore de um bosque em miniatura. Composição intrincada, onde foram gravadas canções de embalar. Tic-tac, dorme descansada borboleta. E não tenhas vergonha.
Sonho reparador. Sonha borboleta. Sonha com aquilo que já foi. Para que volte pintado com outra cor. Chora a cinzento. De saudade. Ri a laranja. De nervoso miudinho ou de partir o coco. Inventa a lilás. De nuvens de lavanda. Despede-te. Deita a pedrinha ao charco. Acende o lume. Sopra a prece. Faz uma coroa de girassóis. E não tenhas vergonha. Da sombra que leva a cor. Deixa que te bordem pontos na asa. Flic-flac.
Não tenhas pressa.
E eis que se remenda a asa e as cores já não são as mesmas. Lançadas com traços naif, riscas sarapintadas. Preto e branco, luz e sombra. Ficaram alguns pontinhos sem cor, para ver quem passa. São janelas por onde espreita o universo. Que crescida que estás borboleta. Com sete saias e sete mantos. Sem vergonha. Sem pressa.Tic-tac.
O luto transformou as asas.
E do ritual renasceu o voo.